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Pessoa com deficiência: ampliar o acesso a serviços de saúde e educação para o autista ainda é um desafio
Aline Souza Barbosa, 34 anos, é professora e mãe de João Miguel, de 12. Na primeira infância, o garoto se desenvolveu como qualquer outra criança até que sua mãe percebeu, em certo momento, ele parar de falar algumas palavras e apresentar outros déficits significativos no seu desenvolvimento. “Foram dois anos peregrinando por diversos profissionais de saúde até identificar o diagnóstico do meu filho. Eram muitas informações desencontradas e só aos quatro anos, ele foi diagnosticado com o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)”, desenvolvimento neurológico caracterizado por uma alteração da comunicação e ausência de interação social. “Quando recebi o diagnóstico de autismo foi como se a neurologista tivesse matado o meu filho tão sonhado e me dado um novo, completamente diferente daquilo que fomos ensinados a ter”, relembrou Aline ao participar da reunião de mães, que acontece periodicamente com o Ministério Público estadual na busca pela proteção dos direitos das crianças e adolescentes com deficiência. O Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência é celebrado hoje, 21 de setembro.
De acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2013), dos 200,6 milhões de pessoas residentes no Brasil, 6,2% possuía pelo menos uma deficiência, seja intelectual, física, auditiva ou visual. O transtorno do espectro do autismo surge aproximadamente nos primeiros três anos de vida da criança e é mais comum em meninos do que em meninas, segundo dados da Associação de Amigos do Autista da Bahia (AMA). No sistema jurídico brasileiro, o autismo é entendido como uma situação de deficiência. Por Lei, o autista tem direito à vida digna e ao acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades, incluindo: o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo; o atendimento multiprofissional; a nutrição adequada e a terapia nutricional, além de medicamentos e informações que auxiliem no diagnóstico e no seu tratamento. Apesar dos direitos garantidos, Leda Matos, mãe de Leo, diagnosticado com autismo aos dois anos de idade, conta como foi difícil se deslocar do interior para conseguir o atendimento adequado. “É preciso ter centros especializados no interior do estado para que seja oferecido o tratamento precoce. Moro em Inhambupe, a 200 km da capital, e tinha que trazer ele mensalmente”. Ela lembra as recomendações médicas para buscar o quanto antes a produção de estímulos na criança, a fim de acelerar o desenvolvimento.
Ao identificar as dificuldades enfrentadas pelos familiares em verem assegurados seus direitos, o Ministério Público passou a atuar no acompanhamento e fiscalização da situação do autismo no estado. Inquéritos civis já foram instaurados e apresentaram a necessidade da criação de um centro de referência que pudesse capitanear a situação do autismo. A partir deste acompanhamento e articulação do MP com diversas instituições públicas, foi criado o Centro de Referência Estadual para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (CRE-TEA), localizado em Salvador, que tem como proposta reunir diversos profissionais em um só lugar, oferecendo atendimento interdisciplinar, evitando o deslocamento dos pacientes por diversas clínicas e hospitais da cidade, além da produção de conhecimento intelectual em torno do autismo. No entanto, apesar do avanço, um grande número de pacientes ainda se depara com a insuficiência de vagas nas clínicas especializadas, Centro de Atenção Psicossocial (CAPs); Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e outros centros de tratamento indicados para estas limitações.
Para o promotor de Justiça Carlos Martheo, que atua na área da infância e juventude, a situação do autismo na Bahia e em quase todo o Brasil ainda é preocupante. “O número de autistas é alto e ainda não conseguimos desenvolver uma rede de acolhimento, proteção e tratamento para estas pessoas da forma digna como elas merecem. Ainda que existam opções de atendimento, são poucas diante da necessidade da população”. Ele registra também que a luta pelo direito dos autistas é continua e precisa ser constantemente renovada e estruturada. “A situação hoje já está melhor do que ontem, mas ainda existe um longo caminho a ser perseguido”, afirmou Martheo.
O autismo e o direito à educação
Outra dificuldade enfrentada pelas pessoas com autismo é a de acesso a escolas adaptadas e com profissionais tecnicamente qualificados para atender as demandas desse público. Segundo a promotora de Justiça Cintia Guanaes, este é um dos principais desafios. “As pessoas com deficiência têm direito à matrícula e é comum, ainda hoje, a negativa por parte dos estabelecimentos de ensino, sob a alegação da falta de estrutura e capacitação técnica para atender estas crianças”. Ela destaca que “o acesso negado é crime e a pessoa pode registrar boletim na delegacia, além de procurar o Ministério Público para adotar as medidas judiciais cabíveis”. O gestor escolar que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, poderá ser punido com multa de três a 20 salários-mínimos.
A promotora de Justiça pontua ainda que, após a matrícula, é preciso garantir adaptações escolares razoáveis para o desenvolvimento dos alunos, além de técnicas pedagógicas que permitam avançar na aprendizagem, a exemplo de provas diferenciadas para os estudantes, materiais escolares específicos e métodos de aprendizados adequados às limitações. “Cada aluno com deficiência tem direito a um plano individual e, se for preciso, apoio profissional de forma individualizada”, disse ela. Segundo Guanaes, atualmente existem cerca de 200 crianças com deficiência na rede municipal de ensino de Salvador que estão sem apoio profissional. No último dia 05, inclusive, a Justiça determinou, a pedido do Ministério Público, que estudantes com deficiência da rede municipal de ensino de Salvador contem com este apoio e sejam acompanhados individualmente dentro da unidade escolar.
Procure o MP
O Ministério Público estadual desenvolve, por meio do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Educação (Ceduc), o projeto 'Todas as Escolas são para Todos os Alunos'. O objetivo é promover uma melhor relação entre os pais, as escolas e as instituições que integram o sistema de garantias de direitos. Pais de crianças e jovens com deficiência que encontrarem dificuldade para matricular seus filhos ou cobrar das escolas a estruturação necessária, podem procurar o promotor de Justiça da sua cidade. Em Salvador, o MP fica localizado na Av. Joana Angélica, 1312, no bairro de Nazaré. Para mais informações sobre o autismo, o Ministério da Saúde disponibiliza um documento que fala sobre suas características e seus tratamentos, intitulado “Linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtorno do espectro do autismo e suas famílias na rede de atenção psicossocial do SUS”.
Fotos: Rodrigo Tagliaro/RODTAG Produtora