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"Com o poder legitimado, o Estado detém o monopólio da violência"
"Com o poder legitimado, o Estado
detém o monopólio da violência”
“A violência é um fenômeno humano e mundial, desencadeado pelas desigualdades sociais que acabaram criando uma sociedade de apartheid. Nós nos emparelhamos na rua com o luxo extraordinário e a pobreza cruel, disputamos os espaços públicos e, aí, tem-se um confronto simbólico das classes sociais, que aguça a contradições”. Esta foi uma das reflexões feitas pelo doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal da Bahia, Gey Espinheira, ao discorrer sobre a disciplina 'Violência', para os integrantes do Curso de Especialização em Direitos Humanos e Cidadania (Procedh), nos dias 6 e 7 últimos, no Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público estadual (Ceaf). Confirmando que Salvador é a cidade mais violenta da Bahia e uma das mais violentas do Brasil, Gey Espinheira – que vem-se dedicando a estudos sobre violência e criminalidade nos bairros periféricos – lamentou o aumento dos grupos de extermínio, que contam muitas vezes com a participação de policiais. De acordo com o sociólogo, “eles utilizam um raciocínio aritmético, partindo do princípio que um extermínio é um problema a menos, mas, na verdade, é um problema a mais”.
A disciplina foi explicitada também pelo sociólogo, mestre em Arquitetura e Urbanismo e doutorando em Sociologia Antônio Mateus Soares, e pela comunicóloga e mestra em Planejamento Social Patrícia Smith. Mateus Soares chamou atenção para o fato que conceitos como educação, juventude, pobreza, violência, política, estado e cidadania precisam ser urgentemente repensados. “Cidadania, por exemplo, parece um conceito que se esvaziou no seu sentido e que não consegue concretizar-se”, exemplificou ele.
Dando continuidade ao tema, Mateus Soares destacou que, de acordo com seu conceito, Estado significa entidade reguladora e normativa, responsável por promover a coesão social, proteger cidadãos e patrimônio público. “Acontece que o Estado se faz ausente no cumprimento de suas responsabilidades, não normatiza as coisas públicas, não tem efetividade e frequementemente descumpre a lei”, acentuou o sociólogo, acrescentando que “é um Estado em desmanche e desmantelo devido a uma força econômica maior, que vitimiza os pobres, os que não têm consciência dos seus direitos”. “Com o poder legitimado, o Estado detém o monopólio da violência. Como não consegue promover saúde, educação, entre outras importantes e necessárias ações, é um Estado vulnerável e fortemente permeado pelo crime e pela violência”, concluiu Mateus.
Primeira atividade do Programa de Capacitação e Educação em Direitos Humanos (Procedh), o curso, que foi iniciado em maio do ano passado, é fruto do convênio firmado entre o MP, o Governo do Estado, por intermédio da Secretaria de Segurança Pública (SSP) e das Polícias Civil e Militar, e a Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Coordenado pela promotora de Justiça Márcia Virgens, coordenadora do Núcleo de Defesa e Proteção de Direitos Humanos e Articulação com os Movimentos Sociais do MP (Nudh), o curso está capacitando 50 procuradores e promotores de Justiça, oficiais da Polícia Militar, delegados de Polícia, docentes da Uneb e membros do grupo gestor do programa. As aulas estão ocorrendo às sextas e aos sábados com o apoio da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid).
O Procedh é um programa-piloto que tem como estratégia principal a capacitação em Direitos Humanos para agentes do setor público responsáveis pelo controle da ordem e manejo da força pública, distribuição e administração da Justiça, como forma de contribuir para a melhoria da eficiência das instituições estaduais, a redução da violência institucional, o fortalecimento da legitimidade das polícias, do MP e das instâncias de Justiça estaduais vinculadas à manutenção da ordem pública. Num horizonte mais amplo, o programa aponta para a geração de políticas públicas e de uma “cultura social” baseada na observância dos direitos humanos.