Você está aqui
Mulheres lotam o auditório do MP para discutir sexismo e racismo
Mulheres, centenas de mulheres lotaram o auditório do Ministério Público do Estado Bahia durante o dia de ontem (20) para debater a promoção da igualdade de gênero e de raça na sociedade brasileira. Elas participaram do 'I Seminário Biopolíticas e Mulheres Negras: Práticas e Experiências Contra o Racismo e o Sexismo', realizado pelo MP em homenagem ao 'Julho das Pretas”. Juntas, reafirmaram o engajamento nessa luta. “Todos os dias somos cobradas apenas pelo fato de sermos mulheres. Somos cobradas por termos lutado e alcançado sucesso e determinados postos, sendo mulheres”, lamentou a procuradora-geral de Justiça Ediene Lousado, frisando : “conquistamos porque somos guerreiras e não aceitamos o não como resposta”. Ela registrou que, como mulher, cidadã e promotora de Justiça sabe o que representa o momento de reflexão. “Há um grande histórico de dificuldades para nós mulheres, sobretudo para as negras. O MP demorou 400 anos para ter uma mulher a sua frente”, pontuou Ediene, utilizando-se das palavras da ex-ministra e ativista social Luisa Bairros para dizer que “não se constrói democracia com qualquer tipo de discriminação e racismo”.
Dados revelam que, em 2013, houve uma queda de 9,8% no total de homicídios de mulheres brancas, mas um aumento de 54,2% com relação a mulheres negras. Além disso, 62,8% das vítimas de mortalidade materna são mulheres negras, 65,9% das mulheres negras são vítimas de violência obstétrica e 68,8% da mulheres mortas por agressão são negras. “A violência atinge todas as mulheres, mas isso ocorre de forma mais intensa com a mulher negra”, declarou a promotora de Justiça Lívia Sant'Anna Vaz, coordenadora dos grupos de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (GEDHDIS) e em Defesa da Mulher e População LGBT (Gedem). Ela registrou que, no Brasil, as mulheres negras têm duas vezes mais chances de serem assassinadas que as mulheres brancas. “O nosso país ocupa o quinto lugar no mundo em número de feminicídios”, alertou, chamando a atenção de todas para o fato de que “a mulher negra é a mãe do Brasil, um país tão miscigenado e tão comemorado, mas que nunca teve uma democracia racial”. A promotora frisou ainda que todos os direitos que as mulheres negras conquistaram até hoje não foram uma concessão, são resultado de muita luta. “Precisamos lutar todos os dias para conseguir vencer os obstáculos e isso não será possível sem a atuação dos movimentos sociais e de mulheres negras”, concluiu Lívia Sant'Anna.
Também compuseram a mesa de abertura a vice-presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Maria da Purificação da Silva; a ex-ministra das Mulheres e Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes; secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Olívia Santana; vice-prefeita de Salvador, Célia Sacramento; procuradora de Justiça Márcia Virgens; coordenadora do Centro de (CAODH), promotora de Justiça Márcia Teixeira; ouvidora-geral da Defensoria Pública, Vilma Reis; presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB, Dandara Pinho; secretária Municipal de Reparação, Ivete Sacramento; e a superintendente de Políticas para as Mulheres, Mônica Kalile Passos. A PGJ fez um agradecimento especial a Livia Sant'Anna e Márcia Teixeira, que têm ajudado o MP a dar importante contribuição para a sociedade, e a Márcia Virgens que há muitos anos atua nessa área.
Homenagem – Luiza Bairros
O evento, promovido pelo Gedem, Gedhdis e Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH), fez uma homenagem especial à socióloga feminista Luiza Bairros. Ex-ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil, ela faleceu no último dia 12, em Porto Alegre. Luiza, que também foi secretária de Promoção da Igualdade Racial da Bahia, teve destacado papel na luta em defesa das questões de raça e gênero. Por diversas vezes, ela declarou que não há como discutir violência de gênero sem discutir sexismo e racismo.
Debates movimentaram o evento
Debatedora da mesa intitulada ‘Estado e Movimento Negro Feminista: ocupação dos espaços hegemônicos’, a procuradora de Justiça Márcia Virgens afirmou que “estamos vivenciando a década dos afrodescendentes”. Ela destacou a importância da promoção de políticas públicas que assegurem direitos, permitindo a visibilidade da mulher e do homem negro e combate à prática do racismo. “As nossas cotas não podem ser apenas de 20% e sim de 80%, índice que representa a nossa população”, assinalou a procuradora. Professora de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Tatiana Gomes foi uma das palestrantes da mesa e chamou a atenção para o perfil dos autores que escrevem os livros jurídicos no Brasil. “O estudante negro reproduz a lógica doutrinária conservadora e elitista construída pelo homem branco. Esse espaço é suscetível para alimentar e retroalimentar projetos de poder”, disse ela. A mesa também foi composta pela doutora em educação Edileuza Souza, a transexual Paulete Furacão e a major da Polícia Militar Denice Santiago, que evidenciaram o empoderamento da mulher negra como forma de emancipação e transformação social.
Outras mesas de debates foram formadas durante o seminário. Pela manhã, “Escrevivência negra como difusão da intelectualidade afro-brasileira” reuniu Makota Valdina, Conceição Evarista, Rosane Borges e Vilma Reis; e “Emergências na educação afro-brasileira e antipatriarcal” teve Ana Lúcia Souza, Nilma Lino Gomes e Ângela Guimarães. A tarde, foram formadas mesas como a ‘Vozes A(la)fiadas: comunicação negra-feminista’, que trouxe Valdecir Nascimento e a jornalista Maira Azevedo, a Tia Má, conhecida pelos seus vídeos humorísticos divulgados nas redes sociais, os quais retratam a situação da discriminação vivida por mulheres e homens negros. “Eu uso o humor como ferramenta de socializar informação”. A mesa ‘Narrativas e Violências Patriarcais na Diáspora Negra’, conduzida pela advogada Gabriela Batista Ramos, foi composta pela doutora em Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura, Denise França; mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Gênero, Mulheres e Feminismo Carla Akotirene; e pela doutora em Ciências Sociais Ana Cláudia Pacheco. O evento contou com a intervenção cultural de Viviam Caroline e do grupo Sarau Enegrescência e foi encerrado com a apresentação da Banda Didá.
Fotos: Humberto Filho - Cecom/MPBA