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SEMANA DO MP-Pós-modernidade requer aplicação do direito baseada nas leis e tratados internacionais
Pós-modernidade requer aplicação do direito
baseada nas leis e tratados internacionais
“Para atuar de maneira correta e pós-moderna, é preciso ver a floresta, o todo, não apenas algumas árvores. É nesse sentido que se coloca o direito pós-moderno”. A afirmação é do doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madrid, Luiz Flávio Gomes, que utilizou a metáfora na manhã de hoje, dia 2, para esclarecer a procuradores e promotores de Justiça que participaram da conferência ‘O Direito Pós-Moderno como Fonte de Sucesso’, apresentada na ‘Semana do MP 2010’, que a atualidade requer uma atuação pautada na lei penal e nas referências valorativas axiológicas da Constituição Federal, dos tratados internacionais e do Direito Universal. Segundo ele, o modelo legalista do século XIX está fadado à “morte”, mas “tem gente que ainda não percebeu e continua com o apego puro à lei sem aliá-la às referências valorativas”. Porém, “não se pode mais fazer nada sem olhar para as referências axiológicas”, alertou Luiz Flávio Gomes, enfatizando que “o cenário pós-moderno é muito internacional” e informando que, se tudo der certo, no próximo domingo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos deverá julgar inválida a lei de anistia brasileira e, assim, mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter ratificado a validade da lei, ela poderá não mais valer para aqueles que, na ditadura, cometeram crimes sem ter por fim a defesa da democracia.
De acordo com o palestrante, a decisão da Corte está acima da jurisprudência nacional porque julga o país. Ele esclareceu que o Brasil está sendo julgado pelo “caso Araguaia”, em que cerca de 70 pessoas foram mortas pela ditadura. Agora, ao que tudo indica, o MP brasileiro terá muito o que apurar com relação aos casos de tortura no Brasil, e os inquéritos que não puderam ser abertos pelos promotores de Justiça serão iniciados, complementou Gomes que, conforme destacou o procurador-geral de Justiça Wellington César Lima e Silva, “é um dos mais destacados nomes da cena do Direito Penal”. O palestrante, ressaltou o PGJ, é habitualmente escutado e serve de referência a diversos pronunciamentos dos tribunais superiores.
Destacando a “assiduidade” do Brasil na Corte Internacional, Luiz Flávio Gomes pontuou que o país já é “cliente preferencial” devido ao elevado índice de prática de desrespeito aos direitos humanos. Esses organismos internacionais existem para dar conta daquilo que os países não estão sendo capazes de fazer, sinalizou ele, lembrando que o Tribunal Penal Internacional acaba de mandar prender o presidente em exercício do Sudão. Para Gomes, os tribunais internacionais são “ótimas referências axiológicas porque eles atuam igualmente para todos que lá chegam”. “Nós, não”, lamentou o palestrante, salientando que “a história do Brasil é de discriminação e seletividade”. Essa seletividade, analisou Wellington César, é “perversa” e precisa ser muito refletida pois, muitas vezes, a camada miserabilizada é a única a sofrer os efeitos da lei penal. Por isso mesmo é que, quando um promotor ou juiz vai analisar um caso, ele não pode apegar-se somente à lei, frisou o doutor em Direito Penal, explicando que não se pode ser puramente legalista, esquecendo-se de avaliar o todo. Segundo ele, tese de doutorado sustentada pelo procurador da República Luís Wanderley Gazoto indica que, de 1940 a 2009, 122 leis penais foram aprovadas no Brasil, sendo 80% delas punitivas. O problema, salientou o palestrante, é que muitas delas são legítimas, porém inconstitucionais ou inconvencionais, sendo tantas outras sem valor para o mundo jurídico, mas vigentes. Entretanto, “é preciso perceber que nem tudo que é vigente é válido”, concluiu Gomes, reforçando que “só vale o que não conflita com a Constituição Federal e com os tratados internacionais”. “É para isso que se tem dois olhos, um para olhar aqui, na lei, e outro para olhar lá fora”, complementou ele, assinalando que ficou mais difícil ser promotor de Justiça, mas é mais fácil fazer justiça.
Também durante a palestra, realizada no Fiesta Convention Center, Luiz Flávio Gomes alertou os membros do MP baiano para o chamado “populismo penal”. “Existe um vírus propagando isso”, sinalizou ele, explicando que esse tipo de populismo se caracteriza pela demanda punitivista desarrazoada. Para Gomes, a função do promotor é importante e ele deve punir, mas deve ter cuidado e discernimento porque “é preciso respeitar as pessoas mesmo que tenhamos que puni-las”. Aqui no Brasil, os direitos básicos dos presos estão sendo desrespeitados e a Corte Interamericana “já está de olho”, informou o palestrante, ressaltando que “somos campeões do mundo em crescimento prisional”. Segundo ele, já há uma cidade em São Paulo com mais gente na cadeia do que solta. “Esse é o retrato do país em alguns anos”, alertou Luiz Flávio Gomes, conclamando: “vamos abrir os olhos pra tudo isso. Há muita coisa pra a gente mudar”.
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