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Especialistas discutem mudanças qualitativas na produção de provas após pacote anticrime
O chamado pacote anticrime, Lei Federal 13.964/2019, exigiu procedimentos e protocolos mais rigorosos e cuidadosos para cumprir as etapas da cadeia de custódia formulada pelo novo dispositivo legal e garantir a consequente qualidade da produção da prova necessária à instrução da investigação e da ação penal decorrente. As mudanças da nova lei trouxeram o desafio de que os agentes das polícias militar e judiciária, do Ministério Público e do Poder Judiciário se capacitem tecnicamente para realizar eles mesmos a coleta e a preservação dos vestígios disponíveis na cena do crime, desenvolvendo consciência pericial, otimização e harmonização de métodos e metodologias com os peritos oficiais, o que depende cada vez mais de maior estruturação financeira e logística, sem desconsiderar cada realidade criminológica e pericial nos diversos estados do país. Essas e outras questões foram apresentadas e debatidas durante o webinário ‘Cadeia de Custódia Pós Inovações do Pacote Anticrime’, promovido na manhã de hoje, dia 7, pelo Ministério Público do Estado da Bahia, por meio do Centro de Apoio Operacional Criminal (Caocrim), em parceria com o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf).
O tema foi abordado nas palestras do diretor do Instituto de Criminalística de São Paulo, o perito criminal Maurício Lazzarin e da coordenadora do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio de Janeiro, a promotora de Justiça Simone Sibilo. O evento teve a apresentação dos promotores de Justiça André Lavigne e Tiago Quadros, respectivamente coordenadores do Caocrim e do Ceaf, com a mediação dos debates realizada pelas promotoras de Justiça Ana Rita Cerqueira, coordenadora do Núcleo do Júri (NUJ) do MP baiano, e Clarissa Diniz Sena, integrante do Gaeco local.
“A cadeia de custódia é um conjunto de procedimentos utilizados para manter a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”, apresentou Maurício Lazzarin a partir da definição trazida pela lei. Para o perito, o pacote anticrime trouxe uma “dificuldade e preocupação” ao possibilitar ao agente público, que não o perito oficial, a responsabilidade de preservação da prova. “Como lidar com a autoridade que ainda não tem a consciência de perícia? A maior dificuldade hoje, com a mudança trazida pelo pacote anticrime, é a de conscientizar, capacitar e estruturar os demais agentes que não integram os órgãos de perícia como trabalhar o vestígio e garantir a integridade da prova, para relacionar os vestígios coletados à cena do crime. Portanto a maior dificuldade é garantir como o vestígio coletado vai preservar até o final do processo a relação entre si e o crime”, afirmou ao observar que a preservação da cena do crime é uma dificuldade posta há muitos anos no Brasil. Lazzarin apontou ainda a necessidade da coleta de elementos na cena do crime ser mais seletiva, preocupada com a qualidade e não com a quantidade dos vestígios, uma vez que o espaço e logística de guarda e preservação do material coletado são desafios já postos. “Temos mais de 20 milhões de peças no nosso centro de custódia em São Paulo”, exemplificou.
A seleção qualitativa no momento da coleta de vestígios também foi abordada por Simone Sibilo. A promotora de Justiça apresentou casos concretos de operações realizadas este ano pelo Gaeco carioca a partir de protocolo de procedimentos elaborado à luz do pacote anticrime. Ela detalhou como foi realizado o lacre e deslacre das provas, com individualização dos elementos coletados e se valendo de filmagens e testemunhas para assegurar a validade da coleta do vestígio, incluindo o testemunho e relatório descritivo do perito oficial no momento do deslacre do material coletado pelos agentes da operação. “A busca ficou mais qualitativa. Com a mudança trazida pelo pacote, temos que ter muito cuidado com o que apreender, só o que for extremamente necessário”, afirmou. A coordenadora do Gaeco do RJ pontuou seu entendimento sobre a relação entre eventuais quebras de uma das etapas da cadeia de custódia e a nulidade da prova coletada. “Há o entendimento pela nulidade total e quem defenda que depende da etapa quebrada. A posição para mim mais razoável é: quando tiver uma quebra da cadeia, não podemos deixar de considerar que a prova existe e é válida, ela pode ser utilizada. Mas o juiz ou jurado pode avaliar a sua autenticidade. Quanto mais etapas observadas na cadeia, maior o valor da prova e sua legitimidade. Nossa posição deve ser essa, até pelo nosso contexto de extrema criminalidade organizada que vem matando cada vez mais. O combate à impunidade tem tudo a ver com o fortalecimento da cadeia de custódia”, afirmou. Ela lembrou que com o pacote o MP ganhou uma ainda maior responsabilidade na condução dos procedimentos que garantam o cumprimento da cadeia.
Fotos: Humberto Filho / Cecom-Imprensa
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