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Especialistas afirmam que não há democracia sem mulheres negras em espaços de poder
A necessidade de ocupação de espaços de poder por mulheres negras para concretização de um real estado democrático de direito foi destacada na manhã de hoje, dia 28, durante a 6ª edição do Seminário Biopolíticas e Mulheres Negras: práticas e experiências contra o racismo e sexismo. Idealizadora do evento, a promotora de Justiça Lívia Sant’Anna Vaz ressaltou que, apesar de todas as lutas, as mulheres negras ainda não estão representadas nesses espaços. Aliás, disse ela, “precisamos falar de presença porque representatividade é importante, mas não basta”. Para Lívia Vaz, não há como falar em estado democrático de direito se, sequer, as pessoas negras, que totalizam 56% da população do país, estão representadas em estruturas como o Ministério Público, Defensoria Pública e Magistratura.
A promotora de Justiça falou também sobre a importância do preenchimento das vagas reservadas para pessoas negras a partir da implantação da política de cotas e lembrou que essa política pública talvez seja a maior do país, mas afirmou que ainda não é possível enxergar os resultados esperados. “No Sistema de Justiça, vemos turmas inteiras de pessoas brancas tomando posse. Para além da formalização da vaga no papel, precisamos preencher essas cadeiras porque isso diz respeito à forma como estamos construindo justiça ou injustiça no país”, frisou ela, salientando que é preciso existir um compromisso real com a diversidade étnico-racial, de gênero e de orientação sexual. Chefe do Ministério Público baiano e presidente do Conselho Nacional de Procuradores-gerais de Justiça do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), a procuradora-geral de Justiça Norma Cavalcanti lembrou que a dificuldade de ser mulher no Brasil é diária. “Os desafios são imensos”, disse ela, concluindo que a força das mulheres está na união. Para ela, o MP é o melhor palco para essas lutas por ser a casa da cidadania. Ao falar sobre esperança, Norma Cavalcanti citou Santo Agostinho dizendo que a esperança tem duas filhas lindas: a indignação, de não aceitar as coisas como estão, e a coragem, de trabalhar para mudar. “Aqui temos a obrigação de trabalhar e mudar o que está errado”, afirmou ela.
A mesa de abertura do dia foi composta ainda pelos promotores de Justiça coordenadores dos centros de Defesa dos Direitos Humanos (CAODH), Edvaldo Vivas, e de Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf), Tiago Quadros. Respectivamente, eles registraram que defender o local da mulher negra é defender a própria humanidade e que o MP tem se esforçado para promover ações afirmativas. Nos próximos dias 4 e 5 de novembro, a instituição realizará um curso voltado a discutir racismo estrutural e institucional com seus membros e servidores. A instituição, lembrou a procuradora de Justiça Márcia Virgens, criou há 25 anos a primeira Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo do país, um órgão que desenvolve ações, judicializa questões importantes e, além de tudo, trabalha de forma pedagógica para promover justiça racial. Representando o presidente do Tribunal de Justiça, a desembargadora Nágila Brito reforçou que é preciso fortalecer a luta para que as mulheres, sobretudo as negras, conquistem cargos importantes nas estruturas de poder e trabalhar para que a violência contra elas não fique invisibilizada.
Secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Fábia Reis parabenizou a realização do evento e assinalou que reavivar a história, lembrando das potências negras que a construíram, é relevante sobretudo porque essa é uma história que tentaram apagar. A subdefensora-geral do Estado, Firmiane Venâncio, pontuou a necessidade de se efetivar uma política de construção de equidade racial que possibilite às instituições refletir o que é o país e a cidade para transformação da realidade. Chefe do Gabinete de Políticas para as Mulheres do Estado, Daniele Costa reforçou que é preciso enfrentar o racismo e o sexismo com políticas reparatórias ao passado colonial. Ela acredita que, só assim, o país caminhará em direção a uma democracia representativa de fato. Representando a Secretaria de Reparação de Salvador, Oilda Regiane lembrou que o racismo está em todos os ambientes que, quanto mais escura a tez da pele, mais racismo a mulher sofre. Diretora de Políticas para as Mulheres do Município, Fernanda Cerqueira ressaltou que somente a educação pode transformar a violência contra as mulheres, que é algo estrutural.
Enfrentamento ao feminicídio
O feminicídio negro foi discutido na primeira mesa de debates do evento intitulada ‘Feminicídio: Nomeando e Enfrentando nossas dores’. A mesa teve como palestrantes a promotora de Justiça Lívia Vaz e a deputada estadual do Rio de Janeiro Renata Souza, que informou que, de 2007 a 2017, aumentou em 30% o feminicídio de mulheres negras no país, sendo que de não-negras decresceu em 1%. O Brasil é o país que mais mata mulheres trans no mundo e também que mais mata defensores e defensoras de direitos humanos, alertou ela, afirmando que o país “é organizado na tentativa de inviabilizar a humanidade do povo preto”.
Renata Souza chamou atenção para o feminismo político, assinalando que as instituições e os espaços de poder operam pela lógica patriarcal, reforçando o sexismo e o racismo, e, nesta sociedade, o feminismo também é político. “Não dá pra naturalizar que todos os espaços não têm a cara preta”, enfatizou a deputada, conclamando “ou ocupamos esses espaços, ou dificilmente vamos mudar essa história”. Lívia Vaz reforçou a fala dizendo que um dos efeitos mais perversos do racismo é naturalizar ausências. Ela acredita que é preciso colocar o dedo na ferida do feminismo negro, pois muitas mulheres negras morrem diariamente e as mortes são físicas e simbólicas. Para ela, é necessário pautar o racismo como questão central da não-democracia. A mesa teve como debatedora a advogada Michele Britto, que lembrou que ontem, dia 27, Marielle Franco completaria 43 anos de idade. Um dia antes de ser assassinada, ela escreveu no twitter a frase “quantos precisam morrer para que essa guerra acabe?”, lembrou Michele Britto, informando que a mesa era uma homenagem à ex-vereadora.
O evento teve participação do “Coral MP em Canto’ e acontece até o final do dia, debatendo ainda os temas ‘Mulheres negras e o amor: o amor como ato político’, com a educadora social Tiffany Odara, assistente social Claudia Isabele, professora Sâmara Azevedo, tendo como debatedora a advogada carioca Luciana Martins; ‘Justiça Ambiental’, com a advogada Maria Alice Pereira, publicitária Janice Ferreira, defensora pública Aléssia Tuxá, ativista climática Amanda Costa, tendo como debatedora a membra do Coletivo Juristas Negras, Jade Andrade; e ‘Mulheres negras e afroempreendedorismo’, com a mentora da Rede Brasil Afroempreendedor Daiane de Jesus, a produtora cultural Mayla Pitta, debatedora a advogada Pamella Oliveira. A programação será encerrada com uma apresentação de voz e violão por Emillie Lapa.
Fotos: Rodrigo Tagliaro / Rodtag Fotografias
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